sábado, 27 de setembro de 2014

Visita

I
Acorda-se de um sonho com a visão embaçada. Ainda não acabaram seus efeitos, seus desejados efeitos, e olha-se para o céu brilhante - mas enevoado. Uma visão embaçada, um brilho nos olhos de fantasma. São olhos vaidosos, solitários. Uma brilhante solidão. Sorri-se como se nada ao redor importasse. Não há dúvida de que seja vaidade: transformar o céu na própria imagem confusa que vem do interior.
É o passado, transformado pela imaginação de seu desejo sombrio. Pode ser uma ilusão. E ela pode demorar se à volta estão as pessoas a quem se ama. (Todos veem seus olhos vidrados).
Será um passado ilusório, mas completo - mais que completo. Sabe-se que o futuro existe. Mas não há necessidade alguma de se pensar nele.
O que há, no fundo, não é o amor, mas a vaidade dessa brilhante ilusão. Não é o amor de si próprio. É a negação da própria vida ao se controlar o que está dentro e transformá-lo em rabiscos que podem ser aperfeiçoados infinitamente. Rabiscos próximos às pessoas a quem se ama. Um mundo dentro da morte; mas o amor, à reboque.

II

Surdo aos que o amam, o sonhador desvia o olhar para alguém que está longe, mas em sua direção. Eles se olham e aparentemente se conhecem. Porém, estão impassíveis. O sonhador e o visitante dirigem-se a uma sala que surge no ar impregnado com a visão embaçada do primeiro. Lá encontram apenas duas poltronas, sentam-se conversam:

- Você lembra dessa sala?
- Sim, foi há muitos anos. Mas havia muita gente e estávamos em festa. Você me surpreendeu, vestido de uma maneira completamente estranha para a ocasião e se dirigindo a mim como se falasse em um poema.
- Não havia o que fazer. Nem agora há. Na época fez todo o sentido para você acreditar que nossos corpos podem desenvolver uma eternidade específica. Quer dizer, dependendo de como a luz incide em nós, somos velhos ou novos. Também falei sobre isso não ser um dom. Como é comigo, o seu coração encheu-se de um desejo de autodestruição constante. Uma angústia sem limites, pois não podemos mais tirar a própria vida. Como você se sente agora?
- Minha vida não dependia mais de mim, eu era um autômato. Porém, não enlouqueci para que mantivesse a consciência. Algo fez isso comigo. Se é que o tempo é para nós o que é para os outros, a única coisa que podia fazer era contemplar minha desesperança. Quer dizer, logo fui tomado pela convicção de que não haveria mais esperança e esse sentimento não cessaria. Minha rotina passou a ser a reflexão completamente inútil sobre essa desesperança.  O que eu posso dizer? Para haver reflexão, deve haver algum espaço para a serenidade e a paz. No entanto, esses sentimentos estão contaminados por causa de todo esse processo que você descreveu. Essa paz e serenidade são, agora, impressões de uma morte que está sempre por vir. Como você está?
- Nosso encontro é fortuito e inútil. Mas estamos conversando. Quando você apareceu, eu tinha acabado de sonhar. Eu pensava sobre o amor e em como sou uma pessoa ruim. Não sinto pesar, pois você sabe que nosso hábito de refletir sobre sentimentos afasta as pessoas, nossas emoções são artificiais. De tanto pensar, o amor tornou-se uma espécie de minério. Aquele mesmo que vivi e o que continuamente destruo. Eu não amo as pessoas. E elas se enganam por algum tempo. Como vivo um contínuo sentimento de autodestruição, não tenho esperança alguma em minha bondade. Não dá mais para acreditar que há a bondade nas pessoas e admirar isso, amar isso.
- Eu também não tenho interesse nenhum naquilo que faço. Realmente, nosso encontro é fortuito e inútil. Não te procurei, não te amo. Você também não me ama. Olhamos um para o outro apenas para ver nossa desesperança. Sou tão indiferente que não há em mim absolutamente nenhuma possibilidade de acreditar que, supondo a existência de Deus, haja nele ainda algo de bondade e amor. Eu não me comovo. Isso só me veio à mente agora porque somos não um, mas dois desesperados aproveitando essa ocasião para, juntos, aprimorarmos nossa convicção de que, em um momento, simplesmente não entenderemos as outras pessoas.

Rolê

Em quase dez anos, eu nunca imaginei que poderia ter tanto envolvimento com o rolê. Semana sim, semana não, eu ia ao Madame Satã e congêneres. A minha desculpa para não ser mais assíduo era que meu corpo não se adaptava muito a essa rotina. Porém, analisando essas duas últimas sextas-feiras, tenho que rever meus conceitos.
         Em primeiro lugar, dois programas muito bons. No primeiro,  discotecagem e companhia excelentes. No segundo, dançando como um louco e, não atinava com isso, escrevendo muito depois que cansei de dançar por horas.
         Além disso, meu condicionamento físico está bom. O fato de o teatro ser a minha vida faz com que eu procure estar com a maior disposição possível para acompanhar, entre outras atividades, os exercícios físicos que realizamos no ETA (Estúdio de Treinamento Artístico) no domingo.
         Dessa forma, e me programando bem financeiramente, dá pra fazer algo todo final de semana. Nunca me imaginei aproveitando o rolê dessa maneira.

         Falei sobre a contribuição de meu envolvimento com o teatro nessa nova experiência com a noite. Porém, escolhi um dia que simplesmente bate de frente com a regra, que é o entretenimento virar de sábado para domingo. Sexta-feira, só no Madame, ou em casos excepcionais - como foi hoje -, o Cambridge.  Simplesmente perco noventa por cento do que poderia curtir. Fora outros programas que não tem nada a ver com o rolê, repito, só no Madame tenho alternativa. Vou ter que me virar.

sábado, 20 de setembro de 2014

Instante

Falsa beleza e falsos pensamentos e sentimentos. Quem pode julgá-los? Quando pode julgá-los? Quero acordar amanhã. Uma lembrança pode valer por uma vida inteira? Despedir-me de uma boa lembrança. O que é belo pode não brilhar, mas ser apreciado por quem deixa que ele siga seu próprio rumo.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Joana

Fonte Times New Roman, tamanho 16, espaço duplo e três folhas. É a parte material do texto em que vou basear meu monólogo. Seu nome é "Joana". Um dos problemas que verifiquei depois de algumas declamações é que as frases são muito longas. Aí, caio novamente na tentação de poesia lírica, que, no momento, dificultaria minha formação como participante de companhia de teatro. Pela primeira vez, fiz uma pesquisa de contexto bem maior do que em toda minha vida. Creio que faltaram algumas coisas, mas, por ora, é o que dá para fazer.
Por conta das entonações que quero dar, alguns movimentos e, o que chamo de música interior, Joana é uma personagem poética, dependente da poesia, do que autônoma enquanto constituição histórica. Quer dizer, ela só passa a ganhar vida para mim enquanto as palavras que escrevi me estimulam. É a partir do "barato" das palavras que me animo e construo a personagem dentro de mim. O que é que isso vai virar? Eu não sei se tomarei espaço de gente que tenha mais o que mostrar do que eu. Porém, vou me jogar no palco. Diante de algumas coisas em que estou pensando, e da atitude que venho assumindo em relação ao teatro ser meu destino, me permito a arrogância. Quem vai se ferrar, na pior das hipóteses, serei eu mesmo. Se é que dá para falar em se ferrar; se é que isso não é relativo.

É estranho, mas essa atitude que julgo mais independente é algo com que nunca tinha atinado antes. Tenho um projeto de vida depois de que o último foi elaborado há mais de dez anos. Porém, naquela época, eu considerava o reconhecimento externo. Não que isso não seja importante agora, mas é que fiz muito tentativa-e-erro e estou escolhendo ser feliz com muito mais consciência do que antes e, no limite, sabendo que ninguém irá me ajudar. Nessa situação, parece que a “luta pela sobrevivência” faz com que eu explore mais determinadas maneiras de tomar decisões e de me planejar para levar o projeto avante.

Futuro

Este é o texto em que pretendo basear meu monólogo no ETA


"Eu faço de tudo para me sentir bem com o pessoal da favela em que moro. Mas, uma hora, estarei mentindo para os outros e para mim mesma. Cada vez mais, a cidade me parece o lugar em que gostarei de passar o resto da minha vida. As ruas são mais largas, há gente por todos os lados e sempre vejo coisas novas. Tenho medo de parecer metida, mas fico ansiosa pelo domingo. Colocarei a roupa de que mais gosto e irei para o centro. Assistirei missa e, depois, tomarei sorvete na praça. Os cinemas, o Passeio Público, a Rua do Ouvidor, é a glória tudo isso!
Para todo mundo da favela, passo muito tempo no centro para fazer safadeza, para encontrar lugar para ficar longe de todo mundo e dos meus pais. No fundo, eu não me esqueço de onde vim, não tenho nojo. É por isso que me magoo quando me dizem essas coisas. Parece que estão me expulsando de uma vez e eu não queria que fosse assim.
         Estou perdendo as amigas da infância, pois quase todas já estão casadas. Eu sei que também deveria casar logo. Quero ter família, filhos e alguém com quem me sinta bem. Mas é coisa séria e não posso errar. Abri mão de muita coisa para estudar para viver em um lugar melhor. Todo mundo aqui também quer isso. Mas não adianta esperar que os outros nos deem coisas boas, pois vivemos em um buraco. Eles pensam que aqui só tem o que não presta.
         Eu preciso fazer alguma coisa para continuar a conquistar o que eu quero. Mas estou sozinha. Sei que uma hora vai acontecer. E apareceu o João. Não aguento. Ele é bonito, gentil e sinto que tem algo por mim que não é só interesse de homem. Mas também estou com medo. Seu eu me abrir demais, ele vai ser mais forte e perderei o controle da minha vida. Como vai ser depois? Ficam olhando para gente aqui na Estação do Lucas e dando risada.
         Não queria desconfiar nem um pouco dele, lá no fundo. Mas o João muda a conversa do nada, fica olhando em volta e começa a ser safado. Fico confusa, pois parece outra pessoal. Ele me pede  coisas absurdas, fora de hora! Eu não posso me entregar assim! Quem ele pensa que sou?! Por que não continua a ser tão doce. Poderia ficar muito mal falada, mas ficaria com o João se as coisas não forem como eu quero. Mas e se ele não quiser ficar comigo se conseguir fazer essa loucura antes? Ele tem um bom emprego e mostra interesse quando falo que quero fazer concurso público. Mas isso não é suficiente, eu acho.

         Não tenho coragem para falar essas coisas para ninguém. Meus pais não vão gostar do jeito do João, e minhas amigas vão me deixar. Ele está impaciente e estou enlouquecendo. Tem esse doutor que dá conselhos para mulheres nesse jornalzinho. Não aguento. Serei direta porque quero uma resposta urgente." 

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Monólogo

"(...) os atores cuidam que a plateia não compreende sem que eles aumentem a carga e por isso se desmancham em gesticulação" (Aristóteles)



Dentro da filosofia do ETA, é erro grotesco a interpretação forçada - a exagerada, nem se fala... Já temos monólogo para a aula deste domingo e quero conhecer um pouco minha voz e cuidar dela. O objetivo é soar o mais realista possível. Nem tenho que atuar em grupo, a cena é minha.

domingo, 14 de setembro de 2014

Marcas

Você vê a beleza de dia, de noite e em seus sonhos. Mas te amaremos para sempre?  Eu te amarei para sempre? Você nos verá toda a sua vida. Ela pode ser longa e não encontrarmos outra maneira de te ver.

sábado, 13 de setembro de 2014

Alma

Ele cobriu os meus olhos com sua mão quando me viu de costas. Eu sabia que era alguém que eu amava. Eu o amo. Ele leu o meu diário e não pude fazer nada. Esse é nosso segredo, meu amor.

História do amor no Ocidente

"Precisamos de um mito para exprimir o fato obscuro e inconfessável de que a paixão está ligada à morte e leva à destruição qualquer que se entregue completamente a ela. Isso porque desejamos salvar a paixão e adoramos essa infelicidade, ao passo que as morais oficiais e a nossa razão as condenam" (Denis de Rougemont)


Eis um dos pontos altos de minha criatividade! "História do amor no Ocidente". Um livro perigoso para quem se apaixona, para quem é imaginativo ou para quem é os dois. O objeto do amor é o próprio sentimento e não uma pessoa. É uma das obras que valeram boa parte da minha formação. Tenho quase trinta páginas de anotações e não usei nada na faculdade. Porém, é um livro para o sentimento, para a poesia e, ao final de contas, para a vida. 
A proposta de Denis de Rougemont é bem interessante para quem estudou Trovadorismo na adolescência. Por baixo daquele sofrimento dedicado à dama inacessível há ideias de uma seita cristã, os cátaros, cujo grupo chegou a ser chamado de "Igreja de amor".  A seita foi completamente exterminada no século XIII pela Cruzada Albigense.
O que Rougemont quer provar é que a paixão, principalmente a paixão platônica (já "resolvida" na Era da Psicologia), é um sentimento "construído" por crenças religiosas. Para os cátaros, a vida do corpo era um princípio do Mal. Uma das maneiras de combatê-lo é uma visão sobre o amor na qual o homem, através de um ritual de vassalagem, submissão, jura dedicar seu sentimento à dama que lhe concede esse favor. Porém o amor desenvolvido em seu estado considerado puro, sem a interferência da realização sexual. Havia mesmo o desejo de adiantar a morte para continuar o gozo desse sentimento no espaço privilegiado do céu, em que não há mais o corpo humano:

"De todos os males, o meu difere; ele me agrada; regozijo-me com ele; meu mal é o que desejo e minha dor é meu bem-estar. Não vejo, portanto, de que me queixar, pois meu mal advém de minha vontade; é meu querer que se torna meu mal; tenho tanto gosto em querer assim que sofro prazerosamente, e há tanta alegria na minha dor que me delicio com a minha doença" (Chrétien de Troyes, século XII).

Os participantes desse culto não eram necessariamente marido e mulher. Dessa forma, uma das possíveis consequências da adesão ao catarismo era a condenação do casamento, uma vez que o fiel não poderia se unir sexualmente a ninguém. O casal herético poderia constituir elemento de um real triângulo amoroso. Com o fim de ressaltar esse caráter clandestino do amor cortês, quero fazer uma adaptação da citação que Rougemont faz de um trovador francês:


"Deus, é a Aurora! Como Ela vem depressa" Como gostaria, meu Deus, que a Noite não findasse, que meu amigo pudesse permanecer junto a mim, e que a Sentinela jamais anunciasse o romper da Aurora! Deus! É a Aurora. Como Ela vem depressa!"

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A demanda do Santo Graal

Há mais de dez anos, num semestre de literatura portuguesa na faculdade, minha professora disse que viveu uma fase de sensibilidade cristão por causa da leitura de uma versão portuguesa da Demanda do Santo Graal. O detalhe é que ela não era religiosa. Se isso aconteceu com ela, a professora ficava imaginando a força do livro na Idade Média.
A obra original foi escrita na França e Inglaterra e publicada em versos no século XII. No século seguinte, foi adaptada para a prosa e percorreu outras línguas européias. O manuscrito mais antigo em português data do século XV e foi uma tradução do francês. Porém, há especulações sobre indícios no texto que denunciam que foi escrito no século XIII.
Fernão Lopes, um prosador português, escreve no século XV e entendo com boa facilidade um texto seu que tenho à minha frente:

"Em três cousas, assinadamente, achamos, pela mor parte, que el-Rei D. Pedro de Portugal gastava seu tempo. A saber: em fazer justiça e desembargos do Reino; em monte e caça, de que era mui querençoso; e em danças e festas segundo aquele tempo, em que tomava grande sabor, que adur é agora para ser crido. E estas danças eram a som de umas longas que então usavam, sem curando de outro instrumento, posto que o aí houvesse; e se alguma vez lho queriam tanger, logo se enfadava dele e dizia que o dessem ao demo, e que lhe chamassem os trombeiros"


Já em D. Dinis (viveu entre os séculos XIII e XIV), um dos maiores trovadores portugueses, escrevia numa língua de mais difícil compreensão:


En gran coita, senhor,
que peior que mort'é,
vivo, per boa fé,
e polo voss'amor
esta coita sofr'eu
por vós, senhor, que eu

Vi polo meu gran mal,
e melhor mi será
de morrer por vós já
e, pois meu Deus non val,
esta coita sofr'eu
por vós, senhor, que eu

Polo meu gran mal vi,
e mais mi val morrer
ca tal coita sofrer,
pois por meu mal assi
esta coita sofr'eu
por vós, senhor, que eu

Vi por gran mal de mi,
pois tan coitad'and'eu.

(Detalhe: perceba-se que o sofrimento dá-se mais pelo amor em si do que pelo objeto do amor. Sobre isso, ler "História do amor no ocidente". Nele propõe-se que mesmo o perfil bastante comum do amor que envolve grande sofrimento tenha origem numa seita herética cristã e que os trovadores expressavam ideias da mesma disfarçadas em seus versos)


Voltando à Demanda, o texto em prosa é de linguagem muito parecida com essa, bem longe da do século XV. É um monumento literário do português. O que me chamou a atenção foi o erotismo absurdo da relação entre Galaaz, belíssimo cavaleiro da Távola Redonda que, em suas andanças para encontrar o Graal, tornar-se objeto de desejo de uma princesa. Ela se apaixona ao ponto de esquecer o decoro da época e praticamente o coloca em sua cama. Porém, para concluir a Demanda, o cavaleiro tinha que manter sua honestidade e, no limite, sua castidade. Galaaz é justamente quem chega à relíquia. Ele não toca na princesa e essa se mata, ainda que o suicida era visto como condenado ao inferno. O curioso é que um texto com forte conteúdo de propaganda religiosa deixe passar histórias com um erotismo quase subterrâneo, inconsciente. Quer dizer, no afã de pintar o pecado, o autor poderia ter feito concessão a alguma expressão do desejo (até geral), como se fosse muito difícil reprimi-lo completamente. Uma expressão de erotismo que não perde sua atualidade nem um livro como "O erotismo", de Georges Bataille, ex-católico adolescente e, depois, escritor de romances de grande libertinagem. O erotismo dos apaixonados. Um trecho e um pdf da versão portuguesa da Demanda:

"Se nam for bem menfestado, ca em tam alto serviço de Deus como este nom deve entrar se nam for bem menfestado e  bem comungado e limpo e purgado de todolos cajões e de pecado mortal. Ca esta demanda nom é de taes obras, ante é demanda das puridades e das cousas ascondidas de Nosso Senhor"

http://www.4shared.com/web/preview/pdf/M0TqzfTu


terça-feira, 9 de setembro de 2014

Novela de cavalaria

Ano que vem completam-se 500 anos do nascimento de Santa Teresa de Ávila, monja, mística, santa, doutora da igreja, cuja autobiografia, chamada “Livro da Vida”, é o segunda clássico mais lido na Espanha depois de Dom Quixote.
Quero fazer alguma representação baseada nessa figura. Conheço o Livro da Vida e tenho a tradução de 2014 da Obra Completa.  Em meus projetos de leitura, passarei dos romances russos para textos do Siglo de Oro da literatura espanhola. Penso em Teresa de Ávila, Dom Quixote e em um romance de cavalaria.  A santa alimentou sua imaginação não só com a leitura de obras religiosas, mas também com as de novelas de cavalaria.
Uma das novelas de cavalaria mais famosas entre o público luso-espanhol foi “Amadis de Gaula”. As histórias que compõem esse livro tiveram sua primeira edição definitiva em 1508, em Zaragoza. É famosa a disputa pela autoria entre portugueses e espanhóis. Porém, o primeiro texto de que se dispõe é o em língua espanhola.  Está disponível na net o livro integral: http://www.biblioteca-antologica.org/wp-content/uploads/2009/09/RODRIGUEZ-de-MONTALVO-Amad%C3%ADs-de-Gaula.pdf
São mais de 900 páginas e 133 capítulos! Pela reação de uma leitora – que adorou a novela -, tive a impressão de que são centenas de personagens! Li algumas linhas e me sinto seguro para continuar quando tiver disponibilidade.  Um trecho inicial:


“Considerando los sabios antiguos que los grandes hechos de las armas en escrito dejaron, cuán breve fue aquello que en escrito de verdade en ellos pasó, así como las batallas de nuestro tiempo que por nos fueron vistas nos dieron clara experiencia y noticia, quiseron sobre algún cimiento de verdade componer tales y tan extrañas hazañas con que no solamente pensaron dejar em perpetua memoria a los que aficionados fueron, mas aquéllos por quien leídas fuesen em grande admiración, como por las antiguas historias de los griegos y troyanos y otros que batallaron, parece, por escrito.”

domingo, 7 de setembro de 2014

Estúdio de Treinamento Artístico - ETA




Comecei hoje o módulo 1 do curso de teatro do Estúdio de Treinamento Artístico (ETA).  Eu suspeitava que haveria uma espécie de eliminação de estudantes logo na primeira aula. O professor, mesmo em tom amigável, descreveu quais as possibilidades de carreira para um ator. Enquanto profissão, uma das mais ingratas possíveis. Aí, julgo eu, em termos da cidade de São Paulo.
Em não poucos momentos, ele, ainda em tom amigável, perguntava se alguém queria desistir. Todos se mantiveram em sala, depois dessa explanação e, depois, começaram os exercícios. Para quem está com um joelho em fisioterapia, até que eu corri e tive tração na sola dos sapatos na movimentação que todos fazíamos no palco.
         Primeiramente, houve um reconhecimento do espaço. Caminhávamos por todos os lados, todos ao mesmo tempo. Depois, fomos orientados a fixar o olhar nos rostos das pessoas com quem cruzávamos nessa movimentação.  A correria ficou por conta da simulação de entrada em metrô ou trem em horário de pico. Imitamos o que entendíamos serem palhaço.
Por último, e o exercício mais complicado para mim, nos abraçávamos em duplas ou trios. Após algum tempo, havia troca. Tinha corpos com almas dentro e eu não me toquei em interagir com o que eu poderia pensar sobre meus companheiros. Transformo emoções oriundas de situações inusitadas em objeto para reflexão estética e criação artística. Eu me transformo em dois: o que sente e o que analisa o que sente. Mas lá estavam corpos e almas disponíveis, assim como meu corpo e alma. Ainda bem que há muito o que pensar de todos os elementos trabalhados em aula e esse, dos abraços, não passará desapercebido.
         Recebemos uma pequena apostila com orientações gerais visando à formação de uma visão de carreira por parte do aluno que está iniciando.  Tudo o que fizermos em aula deverá ser repetido em casa. E já temos pesquisa teórica para o próximo domingo sobre as origens do teatro, cinema e televisão. O professor quer material escrito que comprove que houve pesquisa e leitura. Agora mesmo verificarei bibliografia viável de ser lida até a aula e onde posso encontrá-la.
Na terceira ou quarta aula serão formados os grupos já se pensando na montagem do espetáculo que encerrará o módulo. Desde minha matrícula, há quase dois meses, organizei as informações sobre o curso e minha própria capacidade enquanto projeto de ator. Após isso, defini como objetivo principal a captação de vinte pessoas, a vinte reais o ingresso, para assistirem ao espetáculo do meu grupo em duas apresentações. Se não conseguir reunir essas pessoas, tenho que custear. Dependendo do conflito que o aluno tenha disposição de levar à frente para não pagar, pode ser levado a juízo, acumulando razoável soma de dinheiro a ressarcir à escola.
Mas o ETA, em linhas gerais, pensa bem mais em formar  pessoas que ganhem a vida levando o teatro como coisa séria do que em formar “cobradores de impostos”.  Lógico que tem que trazer o público. Mas, por outro lado, são ossos do ofício, é um aspecto do processo entre outros. É parte do show.

Uma razoável autocrítica pode fazer com que não se acredite no próprio espetáculo e a falta desse brilho nos olhos pode ser algo a desanimar as pessoas em comprar os ingressos. Você quer fazer o melhor e saberá que estará vendendo um bom produto. Estou usando um vocabulário que sugere um esvaziamento do aspecto artístico do teatro. Porém, para quem pensa em carreira, deve-se aliar o desejo de oferecer – e se oferecer – o melhor com vistas a quem queira ver o melhor.  O teatro, no ocidente, tem mais de dois mil anos, e o público faz parte dessa história. Em suma, a arte dramática tem valor. A questão é quem reconheça isso ou não. 

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Lamentação

“Pereceu o esplendor de Israel nas tuas alturas!
 Como caíram os heróis?

Não o publiqueis em Gat,
não o anunciareis nas ruas de Ascalon,
que não se alegrem as filhas dos filisteus,
que não exultem as filhas dos incircuncisos!

Montanhas de Gelboé,
nem orvalho nem chuva se derramem sobre vós,
Campos férteis,
pois foi maculado o escudo dos heróis!

O escudo de Saul não foi ungido com óleo,
mas com o sangue dos feridos,
com a gordura dos guerreiros;
o arco de Jônatas jamais hesitou,
Nem a espada de Saul voltou inútil.

Saul e Jônatas, amados e encantadores,
na vida e na morte não se separaram.
Mais do que as águias eram velozes,
mais do que os leões eram fortes.

Filhas de Israel, chorai sobre Saul,
que vos vestiu de escarlate e de adornos,
que adornou com ouro
os vossos vestidos.

Como caíram os heróis
no meio do combate?
Jônatas, ferido de morte sobre tuas alturas.
que sofrimento tenho por ti, meu irmão Jônatas.

Tu tinhas para mim tanto encanto,
a tua amizade me era mais cara
do que o amor das mulheres.
Como caíram os heróis
E pereceram as armas de guerra?” 

(II Samuel: capítulo 1, versículos 19-27, versão mais atual da Bíblia de Jerusalém)







A lamentação era um tipo de composição poética utilizado nos exercícios de tiro ao arco no contexto da formação da teocracia guerreira de Israel no Oriente Médio bíblico. O texto transcrito acima é atribuído ao então fugitivo do rei Saul, Davi, o monarca que consolidaria o estado. Apesar de a relação entre o rei e esse militar, poeta e cortesão ter tido altos e baixos, nunca Davi quis se vingar nele nos tempos em que o rei procurava mata-lo por medo de perder o trono.
Quanta a Jônatas, era filho de Saul e a expressão da amizade entre ele e Davi pode ser tomada como um primor literário. O escritor leva ao limite a intensidade de uma amizade ao ponto de a mesma superar o relacionamento íntimo com mulheres; ao ponto de a leitura superar os limites até de nossa época ao sugerir um sentimento homoerótico.
O primeiro estado de Israel foi consolidado em duzentos anos de guerra, concluídos no reinado de Davi. O rei Saul, em decadência, travava uma batalha contra os velhos adversários filisteus, na qual Israel foi derrotado. Saul se matou para manter o orgulho de não ser morto por um povo que ele desprezava ,e seu filho Jônatas também morreu.

Literariamente, a maior parte da Bíblia é um texto fraco, redigido sem nenhum interesse artístico aparentemente. No entanto um livro como Cantares é um dos grandes poemas eróticos da cultura ocidental. Sem contar livros sapienciais dramáticos como Jó e pessimistas como Eclesiastes.
Fora esses livros, pode levar uma centena de páginas para que se identifique qualidade literária. Porém, surgem trechos que se tornam atuais.
Também ficamos desolados quando perdemos nossos heróis, representados naqueles cuja influência positiva em nossas vidas constitui nossas melhores lembranças. Estou falando em artistas, intelectuais, esportistas, etc.
         Quando se fala em cidades dominadas pelos filisteus como Gat, Ascalon e Gelboé, para um leitor, não necessariamente religioso, e com razoável repertório de literatura clássica a menção a esses lugares, por si só, pode não ter importância. No entanto, é um espaço relacionado àqueles heróis bíblicos. Também aos heróis de todos os tempos; aos nossos heróis.

         A grandeza desses homens é realçada ao se deter na dignidade na queda de quem fora à luta para ganhar. O pranto é o culto devido a eles e a alegria do inimigo não tem razão de ser, pois mente a respeito da lembrança que queremos ter de nossos heróis, dos nossos modelos.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Admiração

O dia está acabando. Por favor, compartilhe comigo seus sentimentos reais. Estão nos seus olhos, que brilham. É só por mim. Posso nunca amar aqueles que realmente são bons; me tornar melhor. Só aqueles que estão por aí, como eu. 
Quem é bom age de coração? Se machuca? Quero saber até quando você pode me abraçar. Eu acredito em você.  

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Amanhã?

Você não vive nesse tempo e não encontra espaço para o seu corpo e nem para o seu espírito. Mas ainda não quer desligar tudo. E quem pode ligar? Para sempre? Você pode nem descobrir se essas são as perguntas certas. O fracasso é mais garantido do que a esperança. 

Esquecer

Neste momento penso em sua morte. É claro que estou triste. Mas você mostrou um lado seu que tive a sorte de perceber e entender. Você realmente era uma pessoa boa. Eu gostava de saber que havia alguém comigo que não se importava em dividir a própria alma para ajudar os outros. E gostava, também, da sensação de não ter uma admiração ilusória por você. Nem o amor me impediu de ver que você transformava as pessoas a quem eu desprezava. Eu deixei de ter vergonha do meu orgulho, pois você não se importava comigo quando ajudava o mendigo que passava. Fazia isso sem o menor sinal de presunção. Era como se pedir licença para alguém dar passagem.
Até um cachorro entende que sofro. Se disser que o mundo ficou pior porque você foi embora também não vai importar. É algo além do meu egoísmo; não terei a exata medida do que fez, pois não fui a pessoa necessitada.

         Como amizades e relacionamentos de conveniência, há chance de eu esquecer muito do que estou dizendo. Mesmo sabendo que te amava, talvez eu acabe me tornando uma pessoa melhor se lembrar que você não era escrava da sua solidão. 

Leitura de duas ou mais obras ao mesmo tempo

Simplesmente não consigo ler apenas um livro. Todos os dias leio ao menos dois. A leitura seguida me cansa, minha concentração diminui e acaba soando como perda de tempo para mim .
No entanto, já exagerei e cheguei a ler cinco ao mesmo tempo. Como estava em uma fase de muita curiosidade intelectual, a ansiedade em cumprir um plano rigoroso para levar a cabo ambições desse tipo não chegava a me prejudicar. Já li em fórum de internet relato de quem lia até sete livros de uma vez.
Com o tempo, várias ocupações tiram boa parte do tempo e, aí, sim, precisei diminuir o ritmo. À medida que concluía a leitura de uma obra, não a substituía. O fim era diminuir a quantidade de livros e, hoje, está bastante satisfatório uma leitura obrigatória, a bíblia, e outra dentro de um projeto maior que inclui várias outras obras. Atualmente, me dedico a romances russos. Estou em Anna Kariênina, de Tolstói, e já adquiri Os Irmãos Karamázov, de Dostoiévski. O último será "Crime e Castigo", desse mesmo autor.
Um dos apelos de ler dois ou mais livros é o de tal hábito ser escolha do leitor. Em um curso de letras, isso poderia ser compulsório por ocasião de se estar matriculado, ao mesmo tempo, em duas disciplinas de literatura.

Quando concluir o ciclo de romances russos, penso em ler obras do Século de Ouro espanhol (XV-XVII). Tal projeto é para valorizar a leitura de livros de Santa Teresa de Ávila, personalidade na qual pretendo basear um monólogo previsto para o terceiro semestre do meu curso de teatro. Se Livro da Vida é um clássico da literatura universal, Castelo Interior ou As Moradas é considerada a melhor obra da monja carmelita. Nessa lista de livros consta um dos maiores livros já publicados, Dom Quixote e, de preferência, quero ler um romance de cavalaria escrito em espanhol e com tradução em português. Mas está difícil encontrar algum por ora. 

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Entrelaço

Ontem assisti ao meu primeiro espetáculo de dança. Um amigo me convidou para ver um trabalho chamado “Entreatos” e pude melhorar um pouco minha percepção da ideia de artes cênicas. No começo, os dançarinos tinham posições definidas no palco e falavam. Muito parecido com teatro propriamente dito. Após, houve quase uma hora de dança, com sete pessoas no palco. Tais falas eu vi como uma espécie de temas musicais, os quais serão desenvolvidos na apresentação – aí, suponho, seja em que linguagem for. Artes cênicas, enfim, como algo mais amplo que o teatro.
Quanto ao elemento de linguagem artística como definidor da dança, ele também se destacava por conta de a música estar sempre presente, como uma poesia interpretada pelos dançarinos. Admito que não me impressionou como a fruição de outras obras de arte com que tenho mais familiaridade. Admito, ainda, que essa relativa indiferença se deva, suponho que em grande medida, a um gosto não educado para a dança. No entanto, eu não preciso me penalizar tanto, logo de início, pois Drummond gostava dos Trapalhões e João Cabral não gostava de música. 
Creio que há uma esperança, de imediato, para "entender" o espetáculo. Meu parâmetro de comparação é um vídeo de uma apresentação de butô, da qual gosto muitíssimo. O cotejo dos dois espetáculos pode apurar algo em mim a respeito da visão sobre a arte da dança. 

Tecnicamente, não há muito o que acrescentar. Artistas com preparo físico para executarem movimentos muito largos e apoiarem o corpo uns dos outros no alto.