quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Hesitação


Abaixa a cabeça, amigo que não vejo. Nós sabemos que nosso caminho pode nos jogar na mentira. Teremos coragem de nos olharmos algum dia? Deixa pelo menos apertar sua mão. Podemos esperar por Deus enquanto choramos e brigamos com nós mesmos? Olhe para o céu, mas também olhe aí à frente.  Essa situação tem mais chances de piorar. Teremos que fechar nossos olhos e sairmos para brigar pelo pão do diabo.

Resignação


Aquilo que é realmente belo está acima de Deus. (Até da morte). Sangramos até a morte e não salvaremos nossa alma. Mas a vida também nem sempre é boa. Sofremos por algo que é maior do que tudo. Esse horizonte não acabará nunca.

Salvação


I

                                       Sou obrigado a descer
E meu corpo está ferido.
Desço como uma pedra
 E com tudo o que é ruim:

Noite eterna.
Morte eterna.

II

Acordo sem nada
(O que é a melhor coisa),
 Mas o sol brilha para sempre.
 Cubra o mundo para sempre!

Sol eterno!
Vida eterna!

III

O sol é ilusão e eu quero viver.
(Posso fazer o que quiser)
O inferno pode ser belo?
Deus está no inferno?

A vida e a morte:
(Apenas uma dúvida)
...
                                           Sol e sombra!       
                                             (Satanás ...)

Misericórdia


Ele sempre te espera. Mas você irá ter problemas. Seus olhos se transformam para conhecer seus erros. Não é o que você queria, mas ninguém pode te ajudar.
Ele não perderá a chance de terminar o que começou. E não dará tempo para acreditar em alguma coisa. Uma saída é sofrer menos.
Você vai perder tudo o que gostava. Mas sofrerá menos por não entender bem o que poderá te acontecer. Seus olhos não estão abertos para perceber a angústia. 

Liberdade


Eu vou pecar. Mas isso não passa de um grão de areia. O tempo volta a passar para mim. (Eu poderei voltar?) Há uma porta diante de mim e fantasmas em meu quarto. E, mais uma vez, a minha sombra. Até quando eu poderia suportar essa angústia secreta? (Morra!)  Deus não pode estar sempre comigo.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Mario Praz, A CARNE, A MORTE E O DIABO NA LITERATURA ROMÂNTICA



PRAZ, Mario. A carne, a morte e o diabo na literatura romântica. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996, 476 páginas + ilustrações.

            A obra em questão é um trabalho de referência no campo do romantismo negro. Estudando, nas primeiras partes, duas das principais literaturas da Europa – a francesa e a inglesa; a outra, não examinada, é a alemã -, Praz analisa o romance gótico, propriamente dito, das últimas décadas do século XVIII; o romain noir,  romance negro, influenciado pelo romance gótico; e os textos decadentistas das últimas décadas do século XIX. Pode interessar muito, ao que   aprofunda a sua sensibilidade em determinados estudos, essas distinções, descritas acima, que Praz realiza. Elas diminuem a possibilidades de erros como o esvaziamento do sentido do termo “gótico” na análise indiscriminada de qualquer obra, dos dois últimos séculos, em que predominam temas sombrios. Mas essas categorias podem não esgotar as tendências apontadas por Praz.
            Considerando apenas os primeiros três capítulos que tratam de autores individualmente, é estimulante acompanhar uma seleção de determinados nomes. Por um lado, autores mais visíveis, como Milton e Byron. Por outro, o de Sade, escritor curioso, mas que se teme comentar em ocasiões menos especiais. O primeiro torna o Satã medieval mais próximo do leitor; Byron é o divulgador mais popular e respeitado que continuou a elaborar a figura do herói romântico. Este é superior à sua comunidade, mas a abandona para desenvolver sua sensibilidade especial. Por fim, a influência de Sade é investigada nas fortes reações dos moralistas na desconcertante presença do encarcerado libertino em autores franceses muito disseminados entre o grande público. Mais inesperada é a influência do tratamento que Sade confere à milenar figura da donzela frágil e perseguida. O escritor francês é mais influente, entre os leitores do século XIX, que Richardson, autor de um romance edificante e oficial como Clarissa.
            No final do livro há muitas gravuras em papel especial. Se a apresentação das obras literárias já chama a atenção de um leitor pouco iniciado, as gravuras são mais acessíveis ainda para ele buscar sensações novas.
            Se eu tivesse que apontar uma única qualidade do livro, seria a divulgação de uma erudição em uma linguagem que não interesse apenas a um público muito especializado.
            Ma quem tem um gosto especial pelos assuntos abordados na obra vai se apaixonar pelas enormes notas que aparecem no final de cada capítulo. Ali há referências a livros muito específicos ligados a diversas passagens às quais elas se referem. Há até algumas longas resenhas dos livros apresentados por conta das notas. É como se o Praz estivesses orientando o leitor na elaboração de um plano de estudos sobre este ou aquele ponto abordado nas notas.
            Esse trabalho já está esgotado na editora. Pelo que verifiquei no Estante Virtual, o exemplar usado está muito caro. Pode ser bom para quem está fazendo muita questão. Mas, para os demais interessados, vale a pena fazer uma busca e esperar uma oportunidade melhor para adquirir o livro.
Eu lembro que, antes de ler sistematicamente ao menos os capítulos mais gerais do livro, examinava uma ou outra passagem e já ia para as notas. Esse costume manteve meu interesse ardente pelo texto e me criou uma excelente disposição para lê-lo mais tarde. Essa leitura aconteceu durante uma pesquisa acadêmica em que estava envolvido e deu grande suporte para eu viver minha fase mais criativa. Eu estudava e ficava enlevado o tempo todo. Quando um grande amigo e eu estávamos em casa, eu saía do quarto e lia, para ele, trechos do livro que tinham chamado minha atenção. Eu não queria me controlar e só esperava oportunidades para compartilhar meu entusiasmo. Tenho muito orgulho de ter lido esse trabalho com mais atenção. Sempre utilizo minhas anotações, pois essa obra é fundamental na sua área.
            

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Literatura sombria


                 Em uma beleza percebida     por uma sensibilidade fantástica e mórbida haveria uma esperança de se experimentar algo especial, separado só para seus olhos. Seria muito simples se falar em fuga da realidade. Não que isso deponha contra a qualidade estética de determinadas obras de arte. Mas o pensamento por trás do uso tradicional desse termo, em crítica literária, é de que haveria correspondência entre um trabalho nesses moldes e uma fase, diz-se, inferior no desenvolvimento de um artista.       Mas o que dizer de Werther, René, Macário, A noite na taverna, O veneno das flores e outros? Para não falar das obras em si, há um livro fundamental na história da crítica literária como A carne, a morte e o diabo na literatura romântica. Sem contar vários textos a serem encontrados desde o prerromantismo europeu. Há quem diga que uma literatura realmente exploradora de uma sensibilidade alternativa, que influenciará a literatura romântica dos países mais importantes culturalmente na Europa, tem origem na Inglaterra. É a chamada “Graveyard School”, obras precursoras como Night-thoughts on life, death and immortality e autores como Thomas Gray.

Eduardo Guimaraens, A DIVINA QUIMERA


GUIMAENS, Eduardo. A divina quimera. Porto Alegre: EMMA/DAC, SEC, IEL, 1978, 93 p.

Na História Concisa, Alfredo Bosi elogia Eduardo Guimaraens como um dos maiores autores secundários do Simbolismo brasileiro. Eu li sua obra A divina quimera, publicada em 1916, e gostei bastante. Pela crítica com que tinha tomado contato, esperava apenas um passatempo de traça de livro. Mas não tenho formação como leitor crítico. E, se tivesse, teria que ter um gênio muito grande para falar com propriedade alguma coisa contra o juízo do Bosi.
Voltando ao livro, é uma pena que eu não tenha podido ao menos marcar vários poemas de que gostei. No geral, é como se fosse um passeio solitário, ou com pouca companhia, pelo corredor coberto de folhas das árvores de um jardim ou cemitério. E de preferência após o final da tarde. Você expressa as sensações desse passeio como se não quisesse deixar de viver, à noite, mesmo as coisas ruins. O que não chega a ser um pesadelo, pois tudo é vivo com fina sensibilidade, sem espontaneidade descontrolada.
Vou comentar ao menos a primeira estrofe do poema n. 8. Seguem os versos:


Sobre a tristeza do passado,
Que sombra vai descer?
- Lírio entre os lábios do Prazer,
Murcha o desejo abandonado


A "sombra", que pode sugerir lugares-comuns ligados à noite, ganha aparência de novidade a partir da imagem de que ela possa agir sobre o passado. Essa palavra, "sombra", lembra, com muita facilidade a cena de imersão na melancolia.
Tais conotações tradicionais diminuem quando o termo participa da construção de uma outra imagem. É aquela relacionada à atitude melancólica quanto a lembranças ruins. Primeiro elemento desse pesar, que aumenta em um círculo vicioso, é sugerido na expressão “tristeza do passado”. É a lembrança que abala o melancólico. Nessa linha de raciocínio, o termo “sombra” é o segundo elemento que compõe a imagem. Ele traz outra conotação trágica ao que já está sugerindo isso mesmo. Essa palavra é metáfora para o sofrimento presente - o qual aumenta o que já está na memória. Através da imagem construída nos dois versos comentados, uma cena da melancolia é expressa com precisão realista e sutileza estética.