“Pereceu o esplendor de Israel nas tuas alturas!
Como caíram
os heróis?
Não o publiqueis em Gat,
não o anunciareis nas ruas de Ascalon,
que não se alegrem as filhas dos filisteus,
que não exultem as filhas dos incircuncisos!
Montanhas de Gelboé,
nem orvalho nem chuva se derramem sobre vós,
Campos férteis,
pois foi maculado o escudo dos heróis!
O escudo de Saul não foi ungido com óleo,
mas com o sangue dos feridos,
com a gordura dos guerreiros;
o arco de Jônatas jamais hesitou,
Nem a espada de Saul voltou inútil.
Saul e Jônatas, amados e encantadores,
na vida e na morte não se separaram.
Mais do que as águias eram velozes,
mais do que os leões eram fortes.
Filhas de Israel, chorai sobre Saul,
que vos vestiu de escarlate e de adornos,
que adornou com ouro
os vossos vestidos.
Como caíram os heróis
no meio do combate?
Jônatas, ferido de morte sobre tuas alturas.
que sofrimento tenho por ti, meu irmão Jônatas.
Tu tinhas para mim tanto encanto,
a tua amizade me era mais cara
do que o amor das mulheres.
Como caíram os heróis
E pereceram as armas de guerra?”
(II Samuel:
capítulo 1, versículos 19-27, versão mais atual da Bíblia de Jerusalém)
A
lamentação era um tipo de composição poética utilizado nos exercícios de tiro
ao arco no contexto da formação da teocracia guerreira de Israel no Oriente
Médio bíblico. O texto transcrito acima é atribuído ao então fugitivo do rei
Saul, Davi, o monarca que consolidaria o estado. Apesar de a relação entre o
rei e esse militar, poeta e cortesão ter tido altos e baixos, nunca Davi quis
se vingar nele nos tempos em que o rei procurava mata-lo por medo de perder o
trono.
Quanta
a Jônatas, era filho de Saul e a expressão da amizade entre ele e Davi pode ser
tomada como um primor literário. O escritor leva ao limite a intensidade de uma
amizade ao ponto de a mesma superar o relacionamento íntimo com mulheres; ao
ponto de a leitura superar os limites até de nossa época ao sugerir um
sentimento homoerótico.
O
primeiro estado de Israel foi consolidado em duzentos anos de guerra,
concluídos no reinado de Davi. O rei Saul, em decadência, travava uma batalha
contra os velhos adversários filisteus, na qual Israel foi derrotado. Saul se matou
para manter o orgulho de não ser morto por um povo que ele desprezava ,e seu
filho Jônatas também morreu.
Literariamente,
a maior parte da Bíblia é um texto fraco, redigido sem nenhum interesse
artístico aparentemente. No entanto um livro como Cantares é um dos grandes
poemas eróticos da cultura ocidental. Sem contar livros sapienciais dramáticos como
Jó e pessimistas como Eclesiastes.
Fora
esses livros, pode levar uma centena de páginas para que se identifique qualidade
literária. Porém, surgem trechos que se tornam atuais.
Também
ficamos desolados quando perdemos nossos heróis, representados naqueles cuja
influência positiva em nossas vidas constitui nossas melhores lembranças. Estou
falando em artistas, intelectuais, esportistas, etc.
Quando se fala em cidades dominadas
pelos filisteus como Gat, Ascalon e Gelboé, para um leitor, não necessariamente
religioso, e com razoável repertório de literatura clássica a menção a esses
lugares, por si só, pode não ter importância. No entanto, é um espaço
relacionado àqueles heróis bíblicos. Também aos heróis de todos os tempos; aos
nossos heróis.
A grandeza desses homens é realçada ao
se deter na dignidade na queda de quem fora à luta para ganhar. O pranto é o
culto devido a eles e a alegria do inimigo não tem razão de ser, pois mente a
respeito da lembrança que queremos ter de nossos heróis, dos nossos modelos.
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