sábado, 30 de agosto de 2014

Beethoven

"São Paulo, 18 de abril de 2005. 


Alterei minha rotina de audição de Beethoven na ECA esta semana devido à reunião com o professor Valdir amanhã. Em vez de terça e quinta, como de costume, virei à ECA segunda e quarta-feira.
Uma primeira audição da sonata n. 13 foi o suficiente para eu gostar desta música. Como outras composições que ouvi de Beethoven, os elementos desta sonata encontram-se dispersos, difusos, em vez de se oferecerem facilmente à minha apreciação. O primeiro movimento é o mais sutil dos três. Não sei dizer se gostei de sua melodia ou cadência, pois estes elementos não estão muito marcados nesta parte da música. No entanto, fico bastante curioso em ouvi-lo novamente só por causa desta atmosfera sugestiva. 
O segundo movimento é o mais belo dos três. Uma melodia que me cativou e embalou atravessando o movimento. Mas esta melodia também é mais sugestiva do que marcante.

O terceiro movimento é bastante impetuoso e um pouco alegre. É a parte da sonata de que menos gostei. Mas novamente a atmosfera sugestiva criada pela combinação de impetuosidade e do tom um pouco alegre também me deixam intrigado."




É com grande prazer que compartilho parte de minha rotina privilegiada como estudante da USP entre 2004 e 2005. Morava no campus, tinha dedicação exclusiva - o que irritava um professor burguês que eu tive -, atividade espantosa se comparada à de hoje e cuidado com minha formação cultural. Mesmo extremamente ocupado com as disciplinas de dois cursos, da pesquisa de iniciação científica e dos estágios em escolas, eu lia ao menos um romance em língua estrangeira e ouvia música clássica duas vezes por semana. Eu me eduquei para ouvir música instrumental de uma hora, como é o caso da Nona Sinfonia. Um outro universo.
Nos anos de 2004 e 2005 me organizei da maneira mais inalterável possível. Eu não digo que perdi em relação à minha vida social e sentimental. Nesse período, as sementes da minha identidade como pessoa foram bem semeadas e as pessoas com que me reunia nas horas vagas agregavam a essa minha vivência. Nos anos seguintes, apenas coloquei em prática esses valores com mais intensidade.O ambiente era muito amado por mim e extraí dele o que pude para me descobrir. Isso não é tão simples para quem se vê como mais liberal em ambientes nos quais isso é desvalorizado e até punido.
Depois dessa época, o que não experimentei foi justamente essa estabilidade em praticamente todos os setores da minha vida. Por um lado é bom, pois é boa a sensação de se falar com propriedade quando alguém quer certo tipo de conselho – fui “sobrevivente” em alguns eventos. Por outro, alguns projetos tornaram-se quase impraticáveis. Escolhi a carreira acadêmica em 2001. Mas, terminando o doutorado há alguns meses, num prazo de 14 anos ininterruptos como aluno da USP, tive tempo para refletir e não vi felicidade nessa carreira por ora. Saí muito desgastado, tomei decisões erradas e até agora estou respirando o ar puro que foi ter superado coisas que nem ouso escrever aqui. Já não faz sentido ler livro, preparar e aplicar aula, orientar aluno e publicar artigo nesse momento. Eu reflito sobre isso e não tenho a menor disposição. Pelo que conheço da minha relação com a academia, trabalharia muito. Porém, não me sentiria feliz. Há várias coisas que a faculdade não pode me dar e que quero experimentar nessa altura da vida. Por exemplo: estou em um momento em que quero ler literatura, não ensinar literatura. Os livros são grossos, leio mais de  um por vez, além de outras atividades cujo âmbito comentarei agora. 
No exato momento em que reflito, não posso esquecer que, novamente, escolhi a felicidade em relação a uma carreira a seguir. Daqui a uma semana inicio meu curso de teatro e já carrego algumas ideias, informações, leitura, etc . Em comum com o que já passou, é algo pelo qual eu “não soltaria o osso”. Há dez anos que tenho envolvimento com interpretação. Tudo de uma maneira irregular, mas, com o tempo, o sentimento que se desenvolveu foi o que um dos meus destinos possíveis seria a rotina de ator, de performer, etc. Há os ossos do ofício, e eles ainda me soam como herança do que tenho vivido. Mas, já aos 37 anos, é bem razoável dar um gás a mais naquilo que ainda não é ganha-pão em vez de não ter planos de felicidade objetivos para o futuro por conta de esperar “subir de vida” em rotinas profissionais para as quais nem tenho perfil e nas quais me vejo perdido, e aí, sim, escolher a felicidade. Os astros nem sempre estão de acordo.

Nenhum comentário: